"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências.
Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se
dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio.
Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu
domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é
respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria
consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que
tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos
atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos
contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena
treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o
outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o traba- Iho
do homem que merece o seu nome.
(De uma
carta de Hélio Pellegrino)
De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.
Eduardo saiu da infância de menino prodígio na
literatura, de autor precoce para uma juventude boêmia, cheia de vontade de
mudar o mundo e tomado de ideias que foram marcas de uma geração atormentada
pela guerra e desiludida com a política. A vida adulta chegou e o sonho de ser escritor nunca se realizou. Eduardo
passou a ser o escritor sem livro. O romancista sem romance.
O Encontro Marcado então é a história da busca por
si mesmo. O drama do rapaz que seguindo seu coração deixa a capital mineira
para tentar a vida no Rio de Janeiro. Apesar da ideia inicial, O Encontro
Marcado não e sobre reminiscências do Eduardo lembrando de
uma vida mal vivida. É a história de um rapaz que busca além de se encontrar, o encontro da própria razão de existir.
Ao final, nem a falta de sentido aparente em viver o levou a
desistir. Ótima mensagem!
Fernando Sabino escreve de forma bem simples,
e a trama lembra muito a história de um filme, aqueles sobre amadurecimento, a
passagem dos anos na vida de uma pessoa comum. O ritmo com que Sabino
conta a história é rápido e bem objetivo. A leitura atrai desde as primeiras
linhas. Está foi uma leitura
que iniciei com grandes expectativas, em vista dos comentários positivos de
outros escritores como Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector. Foi
minha segundo vez lendo Fernando Sabino. A primeira ainda na adolescência foi
Zélia, uma paixão.
A obra é repleta de citações de grandes
poetas e escritores, e me senti bem satisfeito por entender quase todas. Mérito
as minhas ótimas professoras de português e literatura no ensino
médio. Aliás, as referências são tantas que o próprio autor faz uma
lista no final livro. Fernando Sabino é
sem dúvida um dos grande nomes da literatura brasileira, sua narrativa é tão
envolvente que me senti ouvindo pessoalmente Eduardo Marciano me contando a
história de sua vida, seus êxitos e tristeza. Que essa obra tem um quê de
autobiografia, não há dúvida.
O mais interessante é o português da década de 50,
quando o livro foi escrito. As palavras que eu não tinha nem ideia de que
existiam (DESQUITADO???, Estudantadas
e a expressão "É a mãe" que parece ser uma grave ofensa). Mas
o livro também guarda as malezas de uma época em que negros eram descritos como
'aqueles pretos' ou 'a mulata' e homossexuais eram 'pederastas'.
Editora Record.
2018. 99ª edição. 336 páginas.
MINHAS CITAÇÕES
FAVORITAS:
A ter de me
arrepender um dia, prefiro me arrepender daquilo que fiz e não daquilo que não
fiz.
"Não posso
responsabilizar ninguém pelo destino que me dei. Como único responsável, só eu
posso modificá-lo"
Há uma diferença
entre lembrar e recordar; recordar é reviver, lembrar é apenas saber. O que é
recordado fica, o que é lembrado é também esquecido.
Le coeur a ses
raisons, que la raison ne connaît point: on le sait en mille choses.
~Blaise Pascal
~Blaise Pascal
Todo homem é
incendiário aos vinte anos e bombeiro aos quarenta?
~Tristão de Athayde
~Tristão de Athayde
Labor onmia
vincit improbus
Um trabalho
perseverante tudo vence
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