quarta-feira, 29 de abril de 2020

RESENHA| O ENCONTRO MARCADO



"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o traba- Iho do homem que merece o seu nome.
(De uma carta de Hélio Pellegrino)

De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.

Eduardo saiu da infância de menino prodígio na literatura, de autor precoce para uma juventude boêmia, cheia de vontade de mudar o mundo e tomado de ideias que foram marcas de uma geração atormentada pela guerra e desiludida com a política. A vida adulta chegou e o sonho de ser escritor nunca se realizou. Eduardo passou a ser o escritor sem livro. O romancista sem romance.

O Encontro Marcado então é a história da busca por si mesmo. O drama do rapaz que seguindo seu coração deixa a capital mineira para tentar a vida no Rio de Janeiro. Apesar da ideia inicial, O Encontro Marcado não e sobre reminiscências do Eduardo lembrando de uma vida mal vivida. É a história de um rapaz que busca além de se encontrar, o encontro da própria razão de existir. Ao final, nem a falta de sentido aparente em viver o levou a desistir. Ótima mensagem!

Fernando Sabino escreve de forma bem simples, e a trama lembra muito a história de um filme, aqueles sobre amadurecimento, a passagem dos anos na vida de uma pessoa comum. O ritmo com que Sabino conta a história é rápido e bem objetivo. A leitura atrai desde as primeiras linhas. Está foi uma leitura que iniciei com grandes expectativas, em vista dos comentários positivos de outros escritores como Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector. Foi minha segundo vez lendo Fernando Sabino. A primeira ainda na adolescência foi Zélia, uma paixão.

A obra é repleta de citações de grandes poetas e escritores, e me senti bem satisfeito por entender quase todas. Mérito as minhas ótimas professoras de português e literatura no ensino médio. Aliás, as referências são tantas que o próprio autor faz uma lista no final livro. Fernando Sabino é sem dúvida um dos grande nomes da literatura brasileira, sua narrativa é tão envolvente que me senti ouvindo pessoalmente Eduardo Marciano me contando a história de sua vida, seus êxitos e tristeza. Que essa obra tem um quê de autobiografia, não há dúvida.

O mais interessante é o português da década de 50, quando o livro foi escrito. As palavras que eu não tinha nem ideia de que existiam (DESQUITADO???, Estudantadas e a expressão "É a mãe" que parece ser uma grave ofensa). Mas o livro também guarda as malezas de uma época em que negros eram descritos como 'aqueles pretos' ou 'a mulata' e homossexuais eram 'pederastas'. 

Editora Record. 2018. 99ª edição. 336 páginas.

MINHAS CITAÇÕES FAVORITAS:

A ter de me arrepender um dia, prefiro me arrepender daquilo que fiz e não daquilo que não fiz.

"Não posso responsabilizar ninguém pelo destino que me dei. Como único responsável, só eu posso modificá-lo"

Há uma diferença entre lembrar e recordar; recordar é reviver, lembrar é apenas saber. O que é recordado fica, o que é lembrado é também esquecido.

Le coeur a ses raisons, que la raison ne connaît  point: on le sait en mille choses.
~Blaise Pascal

Todo homem é incendiário aos vinte anos e bombeiro aos quarenta?
~Tristão de Athayde

Labor onmia vincit improbus
Um trabalho perseverante tudo vence

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