segunda-feira, 12 de junho de 2023

Resenha – The House in The Cerulean Sea



Você não gostaria de estar aqui? / Don't you wish you were here?

 

Mais uma leitura do clube do livro YA que participo, e mais uma surpresa agradável. Logo na capa há um comentário de abertura anunciando que este livro é muito perto da perfeição, e ao final da leitura apenas posso concordar.


 

É uma de fantasia repleta de mensagens lindas sobre amor, ainda mais bonito por ser um texto queer. E justamente por isso, todo o resto se completa para mostrar um amor que vai além do que vemos do lado de fora, da aparência.


 

Uma narrativa muito bem construída. O protagonista tem excelente evolução com final perfeito, de aquecer o coração e para não deixar de acreditar em finais felizes.


 

É tão bom que a leitura flui facilmente. Terminei de ler muito rápido, o que nem sempre acontece. T. J. Klune nos presenteia com um romance fofo, uma fantasia leve e estranhamente real, pode isso?

 

"você não percebe o quanto estava faminto até que você começa a comer"


Não é uma história realmente inédita, mas um protagonista queer de 40 anos é algo novo para mim. Um texto tratado com sensibilidade, e com muita maestria. Deixo como últimas palavras que este livro é maravilhoso e você não vai se arrepender de ler!

 

SINOPSE


Uma ilha mágica. Uma tarefa perigosa. Um segredo em chamas.


 

Linus Baker leva uma vida sossegada e solitária. Aos quarenta anos, ele vive em uma casa minúscula com uma gata malandra e seus velhos discos. No trabalho, é responsável por supervisionar orfanatos do governo.




Porém, tudo muda quando Linus é convocado para cumprir uma tarefa notável e altamente confidencial: visitar o Orfanato de Marsyas, onde moram seis crianças extraordinárias: uma gnoma, uma sprite, uma serpe, uma bolha verde não identificável, um canisomem e o Anticristo. Sua missão é determinar se essas criaturas são ou não capazes de trazer o fim dos tempos.



O responsável pelas crianças é o enigmático Arthur Parnassus, disposto a fazer qualquer coisa para manter seus órfãos em segurança e, à medida que Linus e Arthur se aproximam, segredos há muito guardados vêm à tona. Então, resta a Linus tomar uma decisão irrevogável: destruir um lar ou assistir ao mundo sucumbir.



Contada com maestria, A casa no mar cerúleo é uma história encantadora sobre a profunda experiência de descobrir uma família improvável em um lugar inesperado — e de lutar por ela como se fosse sua.



CITAÇÕES

 

A home isn’t always the house we live in. It’s also the people we choose to surround ourselves with.

 

Funny how this works out, isn’t it? That we can find the most unexpected things when we aren’t even looking for them.


 

às vezes, pensou ele, numa casa num mar cerúleo, era possível escolher a vida que queria. e, se você tivesse sorte, às vezes aquela vida te escolhia de volta.

 

Às vezes ficamos presos em nossas pequenas bolhas. Embora o mundo seja vasto e misterioso, essas bolhas nos mantêm protegidos de tudo isso. Em nosso próprio detrimento.

 

Há momentos na vida em que é preciso arriscar. É assustador porque há sempre a possibilidade de falharmos, eu sei disso. Eu sei.


 

His thoughts were all cerulean.

 

Home is where you feel like yourself,

 

Even the bravest of us can still be afraid sometimes, so long we don’t let our fear become all we know.

 

But we deal with it the best we can. And we allow ourselves to hope for the best. Because a life without hope isn't a life lived at all.

 

O ódio fala alto, mas acho que você aprenderá que é porque são apenas algumas pessoas gritando, desesperadas para serem ouvidas. Você pode nunca ser capaz de mudar suas mentes, mas contanto que você se lembre de que não está sozinho, você vai superar.

 

Humanity is so weird. If we’re not laughing, we’re crying or running for our lives because monsters are trying to eat us. And they don’t even have to be real monsters. They could be the ones we make up in our heads. Don’t you think that’s weird??

I suppose. But I’d rather be that way than the alternative.

Which is?

Not feeling anything at all.


 

Devemos arranjar sempre tempo para as coisas de que gostamos. Se não o fizermos, podemos esquecer-nos de como ser felizes.


As coisas que mais tememos são geralmente as coisas que menos devemos temer. É irracional, mas é o que nos torna humanos. Agora, se formos capazes de vencer esses medos, não há nada de que não sejamos capazes.


A humanidade é tão estranha. Se não estamos a rir, estamos a chorar, ou a fugir para salvar as nossas vidas porque há monstros a tentar comer-nos. E nem sequer precisam de ser monstros verdadeiros. Podem ser aqueles que inventamos nas nossas cabeças.


Porque tal como os gatos nos podem indicar coisas sobre as pessoas, também podemos sempre avaliar uma pessoa pela forma como ela trata os animais. Se houver crueldade, essa pessoa deve ser evitada a todo o custo. Se há bondade, gosto de pensar que isso é a marca de uma boa alma.


As pessoas não prestam, mas às vezes é melhor que se afoguem na sua própria porcaria sem a nossa ajuda.


A nossa casa nem sempre é o local onde vivemos, são também as pessoas pelas quais escolhemos rodear-nos.


Porque é que a vida não pode funcionar da maneira que queremos? Qual é o sentido de vivermos se só fazemos o que os outros querem que façamos?

 

Acho que vai perceber que o impossível é mais acessível por aqui do que você foi levado a acreditar.

 

Eles temem o que não entendem. E esse medo se transforma em ódio por razões que não sei se consigo compreender.

 

São as pequenas coisas. Pequenos tesouros que encontramos sem conhecer sua origem.

 

Arthur riu. Linus ficou desconfortável com o quanto ele gostava daquele som.

 

Às vezes nossos preconceitos influenciam nossos pensamentos quando menos esperamos. Se pudermos reconhecer isso e aprender com isso, podemos nos tornar pessoas melhores.


E eu me recuso a acreditar que o caminho de uma pessoa está gravado na pedra. Uma pessoa é mais do que de onde vem.


As coisas que mais tememos costumam ser as que menos devemos temer. É irracional, mas é o que nos torna humanos. E se formos capazes de vencer esses medos, então não há nada de que não somos capazes.

 
Porque as pessoas não são pretas e brancas. Não importa o quanto você tente, você não pode permanecer no mesmo caminho sem distrações. E isso não significa que você é uma pessoa má.


Essas crianças enfrentam nada além de noções preconcebidas sobre quem são. E eles crescem e se tornam adultos que sabem apenas o mesmo. Você mesmo disse: Lucy não era quem você esperava que ele fosse, o que significa que você já havia decidido na sua cabeça o que ele era. Como podemos combater o preconceito se nada fazemos para mudá-lo? Se permitirmos que apodreça, do que adianta?


Palavras podem machucar também,

Eu sei. Mas devemos escolher nossas lutas. Só porque outra pessoa age de determinada maneira, não significa que devemos responder da mesma maneira. É o que nos torna diferentes. É o que nos torna bons.


 

Sou apenas papel. Frágil e fino. Sou erguido contra o sol e ele brilha através de mim. Eu sou escrito e nunca poderei ser usado novamente. Esses arranhões são uma história. Eles são uma história. Eles contam coisas para os outros lerem, mas eles só veem as palavras, e não o que as palavras estão escritas. Sou apenas papel e, embora haja muitos como eu, nenhum é exatamente igual. Eu sou um pergaminho ressecado. Eu tenho falas. Eu tenho buracos. Me molhe e eu dissolvo. Ponha fogo em mim e eu queimo. Pegue-me em mãos endurecidas e eu desmorono. Eu rasgo. Eu sou apenas papel. Frágil e fino.


I am but paper.
Brittle and thin. I am held up to the sun, and it shines right through me. I get written on, and I can never be used again. These scratches are a history. They're a story. They tell things for others to read, but they only see the words, and not what the words are written upon. I am but paper, and though there are many like me, none are exactly the same. I am parched parchment. I have lines. I have holes. Get me wet, and I melt. Light me on fire, and I burn. Take me in hardened hands, and I crumple. I tear. I am but paper. Brittle and thin.

 

"a warm and fluffy blanket" they said, and they were right,


As pessoas são péssimas, mas às vezes, elas deveriam simplesmente se afogar em sua própria sucção sem a nossa ajuda.


A mudança vem quando as pessoas querem o suficiente.

 

Uma casa nem sempre é a casa em que vivemos. São também as pessoas de quem escolhemos nos cercar.


Não. Não é. A vida raramente é. Mas lidamos com isso o melhor que podemos. E nos permitimos esperar o melhor. Porque uma vida sem esperança não é uma vida vivida.

 

Qual o nome dele?

E é assim que eu sei que este poderia ser o lugar para ele, porque você não me perguntou o que ele era, apenas quem ele é.

 

sábado, 3 de junho de 2023

Super Filmes 2023



A Pequena Sereia


Apesar de todas as críticas o filme ficou muito bom. Eu já era grande fã de A Pequena Sereia e apenas confirmei minha preferência por esta animação, e agora live-action.

 

Mudaram bastante coisa, mas acredito que ficou ainda melhor. Não somente a cor da personagem principal, que foi duramente criticada. A estória foi transferida para outra parte do globo, onde há muita água e calor, ótima combinação! O mar tropical é muito mais colorido. A gente termina o filme com vontade de ir para praia...

 

Chloe Halle está incrível no papel de Ariel, e impressiona pela atuação mesmo quando não há diálogos. Escolha perfeita. O talento musical é ímpar, e as regravações estão sensacionais. Me senti privilegiado por ter assistido a versão original.

 

O príncipe é bonito, secundário como deve ser todos os príncipes da Disney. Como o resto do elenco, cumpriu bem seu papel. Disney caprichou nas cenas baixo água, e até mesmo os animais aquáticos parecem estranhamente reais. Enfim, dinheiro bem gasto!

 

Guardiãs da Galáxia 3


 

Um excelente filme. Fechou com chave de ouro a trilogia. E o melhor de tudo é que não se trata de um filme com muitas conexões com os precedentes, o que o torna acessível para o público que não viu as dezenas de lançamentos da Marvel.

 

Como sempre a Disney impressiona com a qualidade das cenas, dos momentos de ação, o equilibro com o drama, além de ser um filme realmente engraçado.  Não só engraçado, mas igualmente comovente. A trilha sonora continua muito boa, bem conectada com o restante do longa-metragem. 

 

Sempre difícil se despedir, mas ao menos terminou como começou: incrivelmente incrível (além do mais ficou claro que alguns personagens voltarão muito em breve...)

 

Mario


 

Amei. Eu sou grande fã de animações, e mesmo se não fosse, acho que seria impossível não gostar de Mario. Tem 100% gostinho de infância, é um filme bem feito, com um roteiro interessante e diversos momentos engraçados. Não é a toa que está fazendo tanto sucesso! Uma continuação com a mesma qualidade seria super bem-vinda.

 

Decreto Presidencial


Senti que deixou a desejar...

 

A ideia é bacana, daria uma ótima distopia, um pouco como O Homem do Castelo Alto, mas ficou muito na comédia, não senti a tensão que o filme deveria passar.  E embora o elenco seja forte, não só de boas atuações se faz um bom filme. Acho que por ter sido adaptado de uma peça teatral, até mesmo os cenários estavam parecidos com gravações nos estúdios da Globo.  Apesar de tudo isso, a produção fez barulho e isso foi ótimo para levar a discussão para além das telas. 

 

Marte Um 


 

Um filme interessante. Bem made in Brazil, e melhor ainda porque foge do circuito nacional do cinema e com isso apresenta um pouco mais do país.  A trama acontece em Minas Gerais no âmbito de uma família tipicamente brasileira. Não é uma estória como a gente tá acostumado a ver sobre o Brasil, repleto de favela, sexo e violência, narrativas criadas para vender no exterior. É um filme inteiramente nosso, porque acima de tudo é uma estória sobre sonhos.  Foi também uma experiência única de o assistir no Festival de Cinema Brasileiro a Paris com a minha melhor companhia, Vincent.

 

Seguimos vendo os clássicos nacionais, sem deixar os contemporâneos de lado. Vincent inclusive foi ainda mais longe e começou a assistir o cinema brasileiro de vanguarda, lá dos anos 60. Muito dedicado ele...

 

Scream VI 


 

Não é o meu gênero favorito, mas o filme fez um esforço para agradar o público jovem. Eu possivelmente não assisti os outros filmes da franquia, e tenho certeza que não vi o Pânico V e nem por isso deixei de entender a trama. 

 

E bem slash, caminha entre o humor e o horror, mas o elenco se esforça e no final até que não e tão ruim. 

 

Where the Crawdads Sings 


 

Uma adaptação fiel. Lembra muito o livro e acho que fizeram um trabalho excelente. Não foi um grande sucesso nos cinemas, mas agradou que conhece a essência da história da Kya.  

 

Pearl  


 

Ainda mais maluco que X. Mia Goth como sempre continua de parabéns. Vão lançar MaxXxinE e com certeza eu estarei lá para ver. 

 

Aftersun 


 

Pesado. É sútil, e principalmente por isso se torna um filme difícil de digerir. Mas é super interessante. Traz a magia do cinema, em encontrar um filme que muito tempo depois de assistir a gente ainda está lá pensando nele, refletindo, criando teorias. Paul Mescal meu queridinho não decepciona! 

 

HOMEM FORMIGA E A VESPA: Quantumania


 

Não consegue nem ser engraçado. Thor 4 é ruim, mas me fez rir muito.

 

Tem um roteiro sofrido, de dar vergonha alheia pelos diálogos e, portanto, serve apenas para o cinema. Com cores intensas, muitos efeitos especiais, é bom para ser visto na tela grande, mas fora isso é extremamente esquecível. Além disso lembra muito qualquer filme de Stars Wars.

 

Fiquei admirado com a coragem da Marvel de finalizar a trilogia de um herói tão sem apego do público. Esse terceiro filme basicamente é uma introdução ao vilão da nova fase, sobretudo na cena pós-crédito. 

 

Enfim, o povo criticou horrores Os Eternos, que eu amo, e por isso acho uma ofenda compará-lo com Homem Formiga e a Vespa.

 

NIGHTMARE ALLEY


 

Gostei bastante. Além de ser um bom filme, tem um certo simbolismo para nós. 

 

Um ano atrás, eu e o Vincent marcamos de ver esse filme no cinema como primeiro encontro. Não deu certo, adiamos, nos encontramos em outro cenário, e sempre que que íamos assistir algo, colocávamos Del Toro de lado. Agora, exatos 365 dias após nosso plano original, voilà. Encontramos tempo para prestigiar essa super obra.

 

O elenco entrega um trabalho perfeito. Grandes nomes que eu adoro. Bradley Cooper, Rooney Mara, Cate Blanchet, Willem Delfoe et cia. O enredo também colabora para torna esse um super filme. Tem história, e uma história interessante. Sem contar que trás essa temática circense do século 20 que sou fã de carteirinha.

 

Aqui mesmo só resta dizer que Guillermo del Toro não erra. Essa temática sombria e tomada pelo suspenso é sempre uma tacada certa!

 

 CIDADE DE DEUS


 

Seguimos com os clássicos do cinema brasileiro. Esse daqui é uma pérola, até mesmo indicado ao Oscar. Um excelente trabalho, apesar de continuar na ideia do Brasil dos estrangeiros. O país como a Europa vê, violento e tomado por favelas. Fora isso tem alguns momentos que claramente vemos da fonte que Tropa de Elite bebeu. Enfim, cenas memoráveis que até hoje povoam o imaginário da nação. 

 

Detalhe que estou me surpreendo positivamente com os filmes nacionais, agora que passei a vê-los com o Vincent. Tem muita coisa boa feita no país, produções de alto nível. Histórias incríveis!

 

Unicorn Wars


 

Uma excelente animação. Estranhamente diferente. Tem um enredo que para mim é inédito, além de ser realmente um filme adulto, apesar de ser um desenho com muitas cores, fofo e engraçado. Me lembrou as animações do Cartoon Network como Hora da Aventura.

 

Enfim, acho que foi a primeira vez que assisti uma animação adulta no cinema. Pena que foi dublado. Adoraria ter assistido no espanhol (idioma original).

 

X


 

Que filme bom! E olha que nem sou muito fã de terror. Mas esse daqui consegue ser diferente. Trabalha muito bem o suspense e não precisa de nada sobrenatural para causar medo. Além disso é uma produção super ousada, com o objetivo de causar desconforto! O elenco claramente se entrega ao papel...

 

Tive o prazer de assistir a reprise no cinema e agora estou igualmente ansioso para assistir Pearl. Super recomendo!!!

 

Resenha – Niketche: Uma história de poligamia - Paulina Chiziane


TODA MULHER DEVE LER ESSE LIVRO!


Estou participando de um novo grupo de leitura aqui em Paris, desta vez para ler mulheres que escrevem em língua portuguesa (Leia Mulheres Paris), e o que começou como auto obrigação, terminou em uma leitura para lá de prazerosa.

 

De antemão é um choque de cultura que de situações tão absurdas as vezes eu achava engraçado – o famoso rindo com respeito. Apesar desse clima, por vezes descontraído, Niketche - uma história de poligamia é um romance cru. Narrado em primeira pessoa, o enredo já me atraiu por aí. Por vezes parei de ler apenas para digerir as palavras difíceis de engolir.



Minha opinião geral é que se trata de um livro triste. É tão verdadeiro, tão autêntico que ninguém consegue passar indiferente por suas páginas. Uma verdadeira obra-prima, que inclusive já faz parte dos romances moçambicanos mais renomados do século XX.

 

Paulina Chiziane é vencedora do Prêmio Camões 2021, o mais prestigiado da língua portuguesa. A autora é uma verdadeira contadora de histórias, que de tantas acaba se tornando um romance. Me lembra Garcia Marques, Saramago, mas sem dúvidas é um livro ainda mais único. Não é uma leitura cansativa. É um texto poético, entre ficção e realidade.

 

Com este livro Paulina Chiziane construiu um marco da literatura moçambicana que questiona as tradições e debate, como nunca antes, a condição feminina na sociedade.

 

Apesar de estar em português é literatura estrangeira.

Ano: 2004 / Novidade: leitura em português de Portugal.

Páginas: 344


SOBRE A AUTORA

 

Negra de origem humilde, Paulina Chiziane teve de percorrer um longo caminho até se firmar como escritora. Paulina Chiziane foi a primeira mulher moçambicana a publicar um romance – apesar de não se considerar romancista, mas uma contadora de histórias. Neta de uma contadora de histórias, Chiziane herdou da avó o talento narrativo para construir histórias simples e envolventes sobre a vida cotidiana em seu país.

 

A autora faz uma literatura ligada às suas raízes culturais, abordando temas femininos num país em que a atividade é exercida quase em sua totalidade por homens. Em Niketche, ela mistura bom humor, consciência social e lirismo para traçar um vigoroso painel da condição feminina e da sociedade do Moçambique.

 

SINOPSE


Niketche conta a história de Tony, um alto funcionário da polícia, e sua mulher Rami, casados há vinte anos. Certo dia, Rami descobre que o marido é polígamo: tem outras quatro mulheres e vários filhos. As esposas de Tony estão espalhadas pelo país: em Maputo, em Inhambane, na Zambézia, em Nampula, em Cabo Delgado. Numa decisão surpreendente, Rami decide ir atrás das mulheres do marido.


O romance retrata a busca de Rami como uma incursão pelo desconhecido e uma tentativa de lidar com a diferença, simbolizada pelas amantes do marido. Niketche é uma das danças do norte de Moçambique, extremo oposto de onde mora Rami. Ritual de amor e erotismo, a dança é desempenhada pelas meninas durante cerimônias de iniciação.


CITAÇÕES

 

"- Aos homens ensinam a amar a si mesmo e só depois ao próximo. Às mulheres se ensina a amar ao próximo, mas nunca a amarem-se a si próprias. Eu amo a mim mesma e depois aos outros, tal como os homens."


"- Rami, neste mundo quem é bom ganha o inferno. Eu sou má, Rami, e vivo no céu."


 

"As mulheres são um mundo de silêncio e de segredo"

 

“Preciso de um espaço para repousar o meu ser. [...] Na terra do meu marido sou estrangeira. Na terra dos meus pais sou passageira. Não sou de lugar nenhum. Não tenho registro, no mapa da vida não tenho nome. Uso este nome de casada que me pode ser retirado a qualquer momento. Por empréstimo. Usei o nome paterno que me foi retirado. Era empréstimo.”


“Precisa-se de um homem para dar dinheiro. Para existir. Para ter estatuto. Para dar um horizonte na vida a milhões de mulheres que andam soltas pelo mundo. Para muitas de nós o casamento é emprego, mas sem salário.”



"Respiro um ar amargo. A corda rebenta sempre do lado mais fraco. É o ciclo da subordinação. O branco diz ao preto: a culpa é tua. O rico diz ao pobre: a culpa é tua. O homem diz à mulher: a culpa é tua. A mulher diz ao filho: a culpa é tua. O filho diz ao cão: a culpa é tua. O cão furioso ladra e morde ao branco e este, furioso, grita de novo para o preto: a culpa é tua. E a roda continua por séculos e séculos."

 

"estamos juntas nesta tragédia. eu, tu, todas as mulheres"

 

"É por isso que as mulheres do mundo inteiro, uma vez por mês, apodrecem o corpo em chagas e ficam impuras, choram lágrimas de sangue, castigadas pela insubmissão de Vuyazi."

 

"Mulher é ser solitário na marcha da multidão..."

 

"Mulher é a dor coletiva que cobre o mundo inteiro".


 

"Madre nossa que estais no céu, santificado seja o vosso nome. Venha a nós o vosso reino - das mulheres, claro -, venha a nós a tua benevolência, não queremos mais a violência. Sejam ouvidos os nossos apelos, assim na terra como no céu.

 

''toda mulher é terra, que se pisa, que se escava, que se semeia. que se fere com pisadas, com pancadas, com socos e pontapés. que se fertiliza. que se infertiliza. a mulher é a primeira morada. a última morada''

 

"O mundo é nosso, em cada coração de mulher cabe todo o universo."

 

"...Quero libertar a raiva de todos os anos de silêncio. Quero explodir com o vento e trazer de volta o fogo para o meu leito, hoje quero existir."

 

"Não és a Rami. Tuo és o monstro que a sociedade construiu".

 

"As mulheres, de mãos dadas, podem mudar o mundo, não é?"

 

“Mulher é terra. Sem semear, sem regar, nada produz."

 

"Mães, mulheres. Invisíveis, mas presentes. Sopro de silêncio que dá luz ao mundo."

 

"A roupa que já, mandei fazer no melhor costureiro da cidade, estou extraordinariamente bela, de luto, mas bela. Tudo o que eu quero é que todas se lembrem de mim ao evocar este dia"


"Quem inventou a moda feminina foi um homem, só pode ser. Inventou sapatos de salto alto para que a mulher não corra, é nao lhe fuja do controle. [...] Inventou as saias apertadas para obrigar a mulher a manter as pernas fechadas, coladas. Inventou as roupas coladas, atrevidas, para poder deliciar a vista na paisagem ondulada de qualquer uma e masturbar-se com o simples olhar."

 

De repente começo a chorar todas as lágrimas do mundo. Deus meu por que me fizeste mulher? (...) Mulher é fel, e a misteriosa criadora de todos os males do universo. Mulher é aquela que faz falta, mas não faz falta nenhuma (...) Mulher é o eterno problema e não há como solucioná-lo. Ela é um projeto imperfeito. Toda ela é feita de curvas. Não tem sequer uma linha reta, não se endireita. É surrealista? Não. É abstrata? Também não. É gótica, isso sim (...) na mulher o sangue não acaba. É menstruação, parto, agressão e espinhos no coração.?

 

"As mulheres deviam ser mais amigas, mais solidárias"


“As mulheres, de mãos dadas, podem mudar o mundo”


“Os seus braços caem como um fardo. As três trovoadas que um dia tentou encomendar contra o noivo da Lu hoje atacam-lhe o cérebro, o coração e o sexo e fazem dele um super-homem calcificado no éden da praça. Ele só vê o escuro e a chuva. Fica uns minutos intermináveis a contemplar o vazio. Era uma ilha de fogo no meio da água. Solto-o. Não cai, mas voa no abismo, em direção ao coração do deserto, ao inferno sem fim.”

 

“Choro. Por mim. Pelos milhões de mulheres que vagueiam náufragas na lixeira da vida. Quem carrega no ventre os mistérios da criação e as sementes da eternidade, para dar luz à vida e iluminar a cegueira do mundo? Somos nós, mulheres, somos nós! Quem dá conforto à vida? Somos nós. Quem faz os machos sentirem-se mais machos, vestirem as plumas da glória e vencerem todos os combates? Somos nós. Quem amacia a alma com flor, depois de um dia de labor? Somos nós. Somos nós a noite e a madrugada num só astro. Somos nós que semeamos a flor e o vento que transporta a nuvem negra que fertiliza a terra. Somos a curva do céu e a curva da terra no sim do horizonte. Somos o centro à volta do qual todas as curvas do universo se curvam. Mas somos nós que colhemos a tempestade. É a nós que a vida sufoca, lentamente, e enterra nas entranhas do morro distante. É a nós que os homens matam de sede, docemente. Somos nós a quem o mundo obriga a procurar um homem rico para receber migalhas da sua mesa. É a nós que a sociedade não dá oportunidade para ganhar com dignidade nosso próprio pão. Em cada dia buscamos o amor e só encontramos enganos. Procuramos a flor e só encontramos espinhos."

 

"Há dias conheci uma mulher do interior da Zambézia. Tem cinco filhos, já crescidos. O primeiro, um mulato esbelto, é dos portugueses que a violaram durante a guerra colonial. O segundo, um preto, elegante e forte como um guerreiro, é fruto de outra violação dos guerrilheiros de libertação da mesma guerra colonial. O terceiro, outro mulato, mimoso como um gato, é dos comandos rodesianos brancos, que arrasaram esta terra para aniquilar as bases dos guerrilheiros do Zimbabwe. O quarto é dos rebeldes que fizeram a guerra civil no interior do país. A primeira e a segunda vez foi violada, mas à terceira e à quarta entregou-se de livre vontade, porque se sentia especializada em violação sexual. O quinto é de um homem com quem se deitou por amor pela primeira vez. Essa mulher carregou a história de todas as guerras do país num só ventre. Mas ela canta e ri. Conta a sua história a qualquer um que passa, de lágrimas nos olhos e sorriso nos lábios e declara: Os meus quatro filhos sem pai nem apelido são filhos dos deuses do fogo, filhos da história, nascidos pelo poder dos braços armados com metralhadoras. A minha felicidade foi ter gerado só homens, diz ela, nenhum deles conhecerá a dor da violação sexual."

 

“Desejo-te todas as mulheres do mundo, menos eu.”

 

«— Estamos juntas nesta tragédia. Eu, tu, todas as mulheres. Só quero que compreendas a minha raiva. Sei que te agredi sem razão. Transferi sobre ti as minhas dores e mágoas, mesmo sabendo que a culpada não eras tu.

— Eu entendo — diz-me ela de cabeça baixa.

— Mas — pergunto — se não está aqui, onde está, então?

— Nos braços de uma terceira, talvez.

—Terceira?

— Sim, terceira.

— Será?

— Mais nova que nós as duas. Mais bela, dizem. Mais fresca que uma alface.

— Conheces?

— Conheço. Já andámos à pancadaria umas tantas vezes.

— Mas... Julieta, como podes andar à pancadaria por um marido que nem sequer é teu?

— E o que significa a palavra teu, quando se trata de um homem?»


«Eu não desisto desta luta. Ao meu Tony eu irei perseguir até aos confins da eternidade. Vou persegui-lo até à morada do tempo. Um dia hei-de reencontrá-lo, eu juro. Hei-de apanhá-lo nem que esse seja o último acto.»

 

«As culturas são fronteiras invisíveis construindo a fortaleza do mundo.»

 

«O mundo acha que as mulheres são interesseiras. E os homens não são? Todo o homem exige da mulher um atributo fundamental: beleza. As mulheres exigem dos homens outro atributo: dinheiro. Qual é a diferença? Só os homens podem exigir e as mulheres não?»

«Mulher é terra. Sem semear, sem regar, nada produz.» (Provérbio zambeziano)

«Mas os passos dos homens são rasto de caracol, não se escondem.»


«O ser humano nasce e morre de mãos vazias. Tudo o que julgamos ter, é-nos emprestado pela vida durante pouco tempo.»

 
«Deus meu, o amor deste mundo não é matemática. Não tem fórmulas estáticas, nem mágicas. O amor é caprichoso como o tempo. Num dia frio. Noutro quente, noutro ainda, chuva e vento. No amor, a solução de um dia não serve para outro dia.»


«Se o amor tivesse preço, garanto-te que cada um de nós comprava em quantidade, para usar e para guardar no celeiro. No amor não existe vergonha. [...] O amor não tem preço.»


«Ninguém nasce mulher, torna-se mulher.»


«A voz popular diz que a mulher do vizinho é sempre melhor que a minha.»


«Tudo na vida é mortal, tudo se apaga.»


«Não há mulheres feias no mundo, disse a conselheira — o amor é cego. Existem, sim, mulheres diferentes.»


«A vida é uma eterna partilha.»


«[...] quando as mulheres se entendem, os homens não abusam.»


«A vida é uma eterna mudança, um dia quente, outro dia frio.»


«E o que é o amor senão um acordo de interesses?»


«O amor é assim. Um dia te ergue à altivez das catedrais, noutro dia derruba-te ao mais profundo do chão, fazendo-te chafurdar como um verme nas águas fétidas dos pântanos.»

«[...] a vida é feita de tentativas, falha aqui, acerta ali [...].»


«Na morte todos se reúnem e choram, mas em vida o homem combate só.»


«O casamento é isto mesmo. Aceitar apagar a tua vela, para usar a tocha do companheiro, que decidirá a quantidade de luz que te deve ser fornecida, as horas, os momentos.»

 
«A cultura não é eterna, mas esforçamo-nos por continuar a linha da tradição.»


«A sabedoria popular diz que toda a mulher bela é feiticeira. Se não é feiticeira é volúvel. Se não é volúvel é preguiçosa, mentirosa, inútil.»