"Eu só pari a Cora. Pra ser mãe, a pessoa tem que adotar o filho depois que ele nasce."
Oficialmente
fã de literatura brasileira contemporânea. Que livro gostoso! Eu realmente me
surpreendi com a fluidez desse texto. Ficção do jeitinho que eu gosto, bem
perto da realidade.
Essa
é a leitura do mês de setembro do Leia Mulheres Paris. E como podem ver, eu não
consegui me conter! O que mais gostei, e me fez ler rapidinho, foi a narrativa
em primeira pessoa. O português do Brasil do jeito que a gente fala.
Uma
estória bem brasileira, sobre a típica relação entre empregados domésticos,
nesse caso uma babá, e a patroa. A autora conseguiu diferenciar muito bem cada
uma. Fica fácil perceber as diferenças sociais e tudo. Por isso é um livro
forte, daqueles que dá pano para manga de uma bela discussão.
Os
capítulos são curtos, intercalados entre a babá e a patroa. Não é um texto
linear, tem história dentro da estória. O final aberto é perfeito, combina
muito com livro como um todo. Além disso, adorei a explicação para o título.
Sem
dúvidas um dos melhores que li esse livro.
Giovana Madalosso criou uma narrativa repleta de comentários
perspicazes, com acidez e também doçura. A ideia em si já é genial. Passa todo
um filme na cabeça. Inclusive tem umas cenas realmente cómicas a ponto de me
fazer rir sozinho no metrô que nem um leso.
Deixo
a dica para quem esnoba da literatura brasileira, principalmente sem conhecer.
Esse romance é show!
Ano:
2020 / Páginas: 208
Idioma:
português
Editora:
Todavia
SINOPSE
De
um lado, temos Maju, uma babá, indistinta no seu dia-a-dia do «exército branco»
de outras babás que cuidam dos filhos dos patrões de classe alta. Do outro,
temos Fernanda, a mãe, a empresária de sucesso. E o meio, além de Cora, a
menina que Maju decide raptar e que Fernanda demora a perceber que desapareceu,
temos luta de classes, crises pessoais, ternura, medo, busca de redenção e duas
vozes femininas que se confrontam e se completam num romance trágico-cómico
sempre em movimento.
CITAÇÕES
"Estou
raptando uma criança. Tento afastar esse pensamento, mas ele persiste enquanto
descemos pelo elevador, cumprimentamos o Chico, saímos pelo portão."
“Levo comigo a Cora, um maço de dinheiro e
cinco próteses dentárias. Todo resto é memória, é tudo que temos, mas ao mesmo
tempo não é nada. Memória é um filho que já nasce morto. E se decompõe.”
"Para
compensar, transformei aquele quarto de empregada num lugar claro, descolado e
dotado de amenidades como tevê e frigobar, um quarto que poderia muito bem ser
a suíte de um hotel japonês. E por isso, e para me sentir menos escravocrata,
batizei o cômodo de Suíte Tóquio."
"Maju,
por que meus olhos são tão pequenos e eu vejo um mundo tão grande?"
"Talvez
paixões sejam avalassadoras também por isso, porque se apaixonar por outro é se
apaixonar por uma nova possibilidade de si mesmo"
"Não seria bom se a gente pudesse fazer isso, desligar com uma máquina
desliga? Viveríamos um pouco e voltaríamos a viver quando doesse menos"
"Eu
só pari a Cora. Para ser mãe, a pessoa tem que adotar um filho depois que
nasce"
"Pobre só tem direito à fantasia durante o sono"
"Nó bem dado pelo capitalismo: ao realizar um desejo de compra, você é
reforça a sensação de dependência do seu trabalho"
"Talvez paixões sejam avassaladoras porque apaixonar-se pelo outro é
apaixonar por uma nova possibilidade de si mesmo"
“Um
desejo que toda mãe já sentiu, de que o filho desapareça. Morra por alguns
segundos”
“Deus é o amor com barba comprida, por fim disse”
“Ela tinha deixado a filha no cantinho da vida, e lá no cantinho da vida tinha
eu”
“Quem larga um sapato não tem mais esperança de nada”
“O corpo mostrando quem é que manda. Quem já passou fome e frio sabe o poder do
corpo”
“ilusão de que a vida segue uma trajetória, de que tudo vai dar certo em algum
momento. De que percebendo isso, podemos inclusive tomar as rédeas para chegar
mais rápido ao grand finale. Até que um dia percebo que não tenho controle de
nada. Pior, que nem existe trajetória”
“Olha
pra mim, mãe”
“Não
acho que sejamos incompletos, somos inteiros ainda que precários”
“A
típica relação mãe e filha, uma reclamando da outra, se frustrando com a outra,
às vezes sentindo inveja da outra. E apesar de tudo, juntas. Os relacionamentos
amorosos vão, a lua de mel com o filho homem esfria, mas mãe e filha seguem
enganchadas, trocando farpas até o último suspiro, na relação mais difícil, mas
talvez mais bonita de todas?”
"Um livro sobre maternidade, o lado belo e o lado compulsório, o
idealizado e o real. Com humor e ternura, a autora descreve duas viagens de
descoberta da verdade, seja ela interna ou externa"
“Como
alguém me disse uma vez, a fome vem ao comer. Quem sabe o amor também venha ao
amar”
"Até
a hora que o amor também deu de faltar, porque quando eu chegava em casa no
domingo era tarde, já não tinha mais feira nem peixe pra descamar juntos, já
não tinha mais um dia todo para o Lauro se alegrar com cerveja e me tirar pra
dançar, e assim devagar fomos ficando cada vez mais longe, como se a mesa da
cozinha em que a gente jantava fosse crescendo no meio de nós, metros e metros
de tampo no meio de nós, até que a gente não se ouvia mais direito, não se
entendia mais como antes"
"Claro que o sexo não era de acordar os vizinhos. Ainda mais depois que
Cora nasceu. Acontece com todas as mães, como sentir tesão quando você deixou
de ser um indivíduo?"
"Uma hora todo mundo acaba se ajoelhando perante a própria carcaça"
"Lembro
de ter planejado esses gavetões, de ter etiquetado: bonecas, instrumentos (...)
Um plano talhado ao fracasso. Crianças juntam cacarecos demais, babás não têm tempo
para diferenciar um quebra-cabeça de um tangram, mães menos ainda, não há nada
mais distante da vida do que a idealização da vida"
"Toda
vez que abrimos uma porta não temos controle do que vem na nossa direção"
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