“Nada desaparece
sem deixar vestígios”
Uma história
encantadora. Da metade para o final eu li quase sem parar. Confesso também, que
como não acontecia a muto tempo, senti dificuldade com o inglês. A autora tenta
ao máximo se aproximar de uma escrita mais clássica, usa muitas palavras
antigas, e até mesmo o jeito como as frases são formadas e diferente do inglês
contemporâneo que estou acostumado a ler. Essa dificuldade, no entanto, durou
muito pouco. Eu literalmente me apaixonei por esse livro. Cada momento é de uma
beleza intensa, extrema, imersiva.
A primeira parte do livro são de capítulos intercalados entre juventude e vida adulta do casal. Tem um capitulo central muito interessante, sobre uma pulga, sim, isso mesmo, e partir dessa personagem inusitada, o texto evolui para uma prosa romântica, apressada e muito deliciosa. Esse capítulo em especial me chamou muito a atenção, pois a partir dele vem outros dois em que a autora intercala início e começo da vida. São momentos cheios de tensão, cenas muito bem construídas.
Eleito um dos
melhores livros de 2020, é uma obra de ficção repleta de hipóteses acerca de
como a morte do filho aos 11 anos de idade teria inspirado Shakespeare a
escrever Hamlet, a famosa peça de onde saiu o "ser ou não ser, eis
a questão".
Maggie O'Farrel traz um novo ponto de vista sobre a vida de Shakespeare, agora
é a esposa, Agnes (Anne) quem toma o protagonismo. O grande poeta é tão
secundário, que em nenhum momento seu nome é mencionado nas mais de 300 páginas
desse livro. Um romance verdadeiramente bem escrito. Terminei encantado com
esse drama de uma sensibilidade enorme sobre o sentimento do luto e perda de um
filho. Mais uma vez uma ótima leitura graças ao clube de leitura que participo.
Detalhes: Muito
premiado é não é à toa. Traduzido no Brasil e a venda pela Intrínseca. Após
a leitura me debrucei horas para pesquisar sobre a vida do autor. Por isso que
gosto tanto de ficção histórica. Terminei ainda mais fã de Shakespeare
apesar de ter lido apenas o clichê Romeu e Julieta e Otelo. Agora estou curioso para
ler Hamlet!
SINOPSE EM PORTUGUÊS
Poucas informações sobre a biografia de William Shakespeare resistiram ao tempo. Filho de um luveiro caído em desgraça de Stratford-upon-Avon, uma pequena cidade da Inglaterra, casou-se com uma mulher mais velha, detentora de um generoso dote. Tiveram uma filha e um casal de gêmeos, em um matrimônio marcado pela distância imposta por seu ofício. Além disso, a família foi abalada pela morte precoce do filho, ocorrida em uma época em que a nação era assolada por surtos de peste bubônica.
É a partir dessas referências que Maggie O’Farrell cria magistralmente a trama
protagonizada por Agnes, uma mulher excêntrica e selvagem que costumava
caminhar pela propriedade da família com seu falcão pousado na luva e tinha
dons extraordinários como prever o futuro, ler pessoas e curá-las com poções e
plantas. Após o casamento, Agnes se torna uma mãe superprotetora e a força
centrífuga na vida do marido, que seguira para Londres com o objetivo de se
estabelecer como dramaturgo. A vida do casal é severamente abalada quando o
filho Hamnet sucumbe a uma febre repentina.
Um retrato brilhante de um casamento, uma evocação devastadora de uma família
destroçada pelo luto e pela perda e uma reconstituição delicada e memorável de
um menino cuja vida foi esquecida, mas cujo nome intitula uma das peças mais
celebradas de todos os tempos. Hamnet é encantador, sedutor, impossível de
largar.
SINOPSE EM INGLÊS
England, 1580.
A young Latin tutor--penniless, bullied by a violent father--falls in love with an eccentric young woman: a wild creature who walks her family's estate with a falcon on her shoulder and is known throughout the countryside for her unusual gifts as a healer.
Agnes understands plants and potions better than she does people, but once she settles on the Henley Street in Stratford, she becomes a fiercely protective mother and a steadfast, centrifugal force in the life of her young husband. His gifts as a writer are just beginning to awaken when their beloved twins, Hamnet and Judith, are afflicted with the bubonic plague, and, devastatingly, one of them succumbs to the illness.
A luminous portrait of a marriage, a shattering evocation of a
family ravaged by grief and loss, and a hypnotic recreation of the story that
inspired one of the greatest literary masterpieces of all time, Hamnet &
Judith is mesmerizing and seductive, an impossible-to-put-down novel from one
of our most gifted writers.
Hamnet is a novel inspired by the son of a famous playwright. It is a
story of the bond between twins, and of a marriage pushed to the brink by
grief. It is also the story of a kestrel and its mistress; flea that boards a
ship in Alexandria; and a glovemaker's son who flouts convention in pursuit of
the woman he loves. Above all, it is a tender and unforgettable reimagining of
a boy whose life has been all but forgotten, but whose name was given to one of
the most celebrated plays ever written.
CITAÇÕES
"I find”, he says, his
voice still muffled, “that I am constantly wondering where he is. Where he has
gone. It is like a wheel ceaselessly turning at the back of my mind. Whatever I
am doing, wherever I am, I am thinking: Where is he, where is he? He can’t have
just vanished. He must be somewhere. All I have to do is find him. I look for
him everywhere, in every street, in every crowd, in every audience. That’s what
I am doing, when I look out at them all: I try to find him, or a version of
him. "
"No limite da
floresta, uma moça.
Há uma promessa do
contador para o ouvinte, disfarçada nessa introdução, como uma espécie de
bilhete enfiado furtivamente num bolso, uma sugestão de que algo está para
acontecer."
“What is the word, Judith asks her mother,
for someone who was a twin but is no longer a twin?”
“Então baixa o silêncio,
a imobilidade. Nada mais.”
“Lembra-te de mim.”
“Como o destino
pôde ser tão cruel a ponto de lhe preparar tamanha armadilha?”
"Está deixando
uma vida; está começando uma nova. Tudo pode acontecer."
"Quero que
você fique com a minha vida. Ela será sua. Eu a dou a você"
"Tentaria de
tudo, faria de tudo. Abriria as próprias veias, rasgaria o próprio corpo e
daria ao filho seu sangue, seu coração, seus órgãos, se de alguma coisa
adiantasse."
"Como se
haveria de saber que Hamnet era o alfinete que os prendia? Que sem ele todos se
fragmentariam e desmontariam, como uma xícara quebrada no chão?"
"Tudo - a
visão das panelas na mesa, as ervas e flores amarradas às vigas, a boneca de
milho da irmã numa almofada, o jarro perto da lareira - lhe causa uma profunda
e inexplicável irritação".
"Toda vida tem
sua essência, seu núcleo, seu epicentro, do qual tudo flui, para o qual tudo
reflui."
“Como se chama,
pergunta Judith à mãe, alguém que foi gêmeo, mas não é mais?”
"A morte é
violenta. A morte é uma luta. O corpo se agarra à vida, como hera a um muro, e
não a larga com facilidade, não se desapega sem lutar."
“Quem descreve o
ato de morrer como "fazer a passagem" ou "ir em paz" jamais
o testemunhou."
“Agnes entra pela
porta da frente da própria casa, pela segunda vez naquela tarde. E vê, ao pé da
escada, o filho. Ele está imóvel, com o rosto pálido, os dedos agarrados ao
corrimão. Tem um inchaço e um corte na testa, que Agnes tem certeza de que não
estavam lá de manhã. Ela se aproxima dele rapidamente, atravessando o cômodo em
poucas passadas.
“O que foi?” indaga,
apoiando as mãos nos ombros do filho. “O que houve com seu rosto?”
Ele não responde. Balança a cabeça. Aponta para a escada. Agnes sobe, de dois
em dois degraus.”
Senhora, ele se
foi,
Não mais existe,
morreu;
Na cabeça lhe nasce
um tufo de grama,
Aos pés, uma louça.
Hamlet, ato IV,
cena V
“Jamais haverá
outro como ele”
Hamlet, Ato I, Cena
2
‘Vivo
constantemente me perguntando onde ele estará. Para onde foi. É como uma roda
sem controle girando no fundo da minha cabeça. O que quer que eu faça, onde
quer que eu esteja, fico pensando onde ele está, onde ele está? Não pode
simplesmente ter sumido. Deve estar em algum lugar. Só preciso
encontrá-lo."
"Quem descreve
o ato de morrer como “fazer a passagem” ou “ir em paz” jamais o testemunhou. A
morte é violenta. A morte é uma luta. O corpo se agarra à vida, como hera a um
muro, e não a larga com facilidade, não se desapega sem lutar."
“Ele fez, compreende Agnes, o que qualquer pai gostaria de fazer, trocar o
sofrimento do filho pelo seu, tomar seu lugar, oferecer-se em sacrifício em
prol do filho para que o menino pudesse viver.”
"Toda vida tem
sua essência, seu núcleo, seu epicentro, do qual tudo flui, para o qual tudo
reflui.”
“Inspira, expira. Então baixa o silêncio, a imobilidade. Nada mais.”
“Ela é diferente de todo mundo que você conhece. Não se importa com o que
pensam dela. Segue os próprios instintos.” P. 86
“Você ver o mundo como ninguém mais vê. [...] É a principal razão que me faz
amar você.”
“Não sabe como, mas sabe; simplesmente sabe.”
“Alguém que sabe tudo sobre a gente, antes mesmo que a gente saiba. Alguém
capaz de adivinhar nossos segredos mais secretos apenas com um olhar. Alguém
capaz de dizer o que a gente vai falar, e o que não vai falar, antes que a gente
fale. Isso é, ao mesmo tempo, uma alegria e uma maldição.”
“Como é fácil deixar passar despercebidas a dor e a angústia de uma pessoa, se
esta fica calada, se guarda tudo para si, como uma garrafa muito bem tampada, a
pressão no interior crescendo e crescendo...”
“Não se pode mudar
o que recebemos, não podemos domar ou alterar o que nos cabe.”
“Não há como voltar
atrás. Não há como desfazer o que foi estipulado para todos.”
“O que é dado pode ser tirado, a qualquer momento.”
“Ela mora lá, mas a casa nunca será dela.”
“Ele fez o que qualquer pai gostaria de fazer, trocar o sofrimento do filho
pelo seu, tomar seu lugar, oferecer-se em sacrifício em prol do filho para que
o menino pudesse viver.”
“A única coisa que
a deixa feliz é fazer os outros tão infelizes quanto ela.”
“Existe um tremendo poder a ser exercido em silêncio.”
“É uma mulher em
pedaços, e esses pedaços estão espalhados por todos os lados.”
“A morte é uma luta. O corpo se agarra à vida, como hera a um muro, e não larga
com facilidade, não se desapega sem lutar.”
" Ela cresce se
sentindo errada, inadequada, morena demais, alta demais, demasiado indomável,
demasiado obstinada, calada demais, esquisita demais. Cresce com a consciência
de ser meramente tolerada, irritante, inútil, de não merecer amor, de precisar
mudar de forma drástica, subjugar sua natureza, a fim de conseguir se casar.
Cresce também com a lembrança do que significa ser amada de verdade, pelo que
se é e não pelo que se deveria ser."
"Como se chama
alguém que foi gêmeo, mas não é mais? [...] Quando uma mulher é esposa e o
marido morre, ela vira viúva. Quando os pais morrem, um filho vira órfão. Mas
qual é a palavra para o que sou agora? [...] Talvez não exista uma palavra,
sugere."
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