sábado, 22 de julho de 2023

Resenha - HAMNET - Maggie O'Farrel



“Nada desaparece sem deixar vestígios”

 

Uma história encantadora. Da metade para o final eu li quase sem parar. Confesso também, que como não acontecia a muto tempo, senti dificuldade com o inglês. A autora tenta ao máximo se aproximar de uma escrita mais clássica, usa muitas palavras antigas, e até mesmo o jeito como as frases são formadas e diferente do inglês contemporâneo que estou acostumado a ler. Essa dificuldade, no entanto, durou muito pouco. Eu literalmente me apaixonei por esse livro. Cada momento é de uma beleza intensa, extrema, imersiva.

 

A primeira parte do livro são de capítulos intercalados entre juventude e vida adulta do casal. Tem um capitulo central muito interessante, sobre uma pulga, sim, isso mesmo, e partir dessa personagem inusitada, o texto evolui para uma prosa romântica, apressada e muito deliciosa. Esse capítulo em especial me chamou muito a atenção, pois a partir dele vem outros dois em que a autora intercala início e começo da vida. São momentos cheios de tensão, cenas muito bem construídas. 


 

Eleito um dos melhores livros de 2020, é uma obra de ficção repleta de hipóteses acerca de como a morte do filho aos 11 anos de idade teria inspirado Shakespeare a escrever Hamlet, a famosa peça de onde saiu o "ser ou não ser, eis a questão".



Maggie O'Farrel traz um novo ponto de vista sobre a vida de Shakespeare, agora é a esposa, Agnes (Anne) quem toma o protagonismo. O grande poeta é tão secundário, que em nenhum momento seu nome é mencionado nas mais de 300 páginas desse livro. Um romance verdadeiramente bem escrito. Terminei encantado com esse drama de uma sensibilidade enorme sobre o sentimento do luto e perda de um filho. Mais uma vez uma ótima leitura graças ao clube de leitura que participo.


 

Detalhes: Muito premiado é não é à toa. Traduzido no Brasil e a venda pela Intrínseca. Após a leitura me debrucei horas para pesquisar sobre a vida do autor. Por isso que gosto tanto de ficção histórica. Terminei ainda mais fã de Shakespeare apesar de ter lido apenas o clichê Romeu e Julieta e Otelo. Agora estou curioso para ler Hamlet!

 

SINOPSE EM PORTUGUÊS

 

Poucas informações sobre a biografia de William Shakespeare resistiram ao tempo. Filho de um luveiro caído em desgraça de Stratford-upon-Avon, uma pequena cidade da Inglaterra, casou-se com uma mulher mais velha, detentora de um generoso dote. Tiveram uma filha e um casal de gêmeos, em um matrimônio marcado pela distância imposta por seu ofício. Além disso, a família foi abalada pela morte precoce do filho, ocorrida em uma época em que a nação era assolada por surtos de peste bubônica.



É a partir dessas referências que Maggie O’Farrell cria magistralmente a trama protagonizada por Agnes, uma mulher excêntrica e selvagem que costumava caminhar pela propriedade da família com seu falcão pousado na luva e tinha dons extraordinários como prever o futuro, ler pessoas e curá-las com poções e plantas. Após o casamento, Agnes se torna uma mãe superprotetora e a força centrífuga na vida do marido, que seguira para Londres com o objetivo de se estabelecer como dramaturgo. A vida do casal é severamente abalada quando o filho Hamnet sucumbe a uma febre repentina.



Um retrato brilhante de um casamento, uma evocação devastadora de uma família destroçada pelo luto e pela perda e uma reconstituição delicada e memorável de um menino cuja vida foi esquecida, mas cujo nome intitula uma das peças mais celebradas de todos os tempos. 
Hamnet é encantador, sedutor, impossível de largar.


SINOPSE EM INGLÊS



England, 1580. 


A young Latin tutor--penniless, bullied by a violent father--falls in love with an eccentric young woman: a wild creature who walks her family's estate with a falcon on her shoulder and is known throughout the countryside for her unusual gifts as a healer. 



Agnes understands plants and potions better than she does people, but once she settles on the Henley Street in Stratford, she becomes a fiercely protective mother and a steadfast, centrifugal force in the life of her young husband. His gifts as a writer are just beginning to awaken when their beloved twins, Hamnet and Judith, are afflicted with the bubonic plague, and, devastatingly, one of them succumbs to the illness. 



A luminous portrait of a marriage, a shattering evocation of a family ravaged by grief and loss, and a hypnotic recreation of the story that inspired one of the greatest literary masterpieces of all time, Hamnet & Judith is mesmerizing and seductive, an impossible-to-put-down novel from one of our most gifted writers.



Hamnet is a novel inspired by the son of a famous playwright. It is a story of the bond between twins, and of a marriage pushed to the brink by grief. It is also the story of a kestrel and its mistress; flea that boards a ship in Alexandria; and a glovemaker's son who flouts convention in pursuit of the woman he loves. Above all, it is a tender and unforgettable reimagining of a boy whose life has been all but forgotten, but whose name was given to one of the most celebrated plays ever written.


 

CITAÇÕES


"I find”, he says, his voice still muffled, “that I am constantly wondering where he is. Where he has gone. It is like a wheel ceaselessly turning at the back of my mind. Whatever I am doing, wherever I am, I am thinking: Where is he, where is he? He can’t have just vanished. He must be somewhere. All I have to do is find him. I look for him everywhere, in every street, in every crowd, in every audience. That’s what I am doing, when I look out at them all: I try to find him, or a version of him. "


 

"No limite da floresta, uma moça.

Há uma promessa do contador para o ouvinte, disfarçada nessa introdução, como uma espécie de bilhete enfiado furtivamente num bolso, uma sugestão de que algo está para acontecer."

 

“What is the word, Judith asks her mother, for someone who was a twin but is no longer a twin?”

 

“Então baixa o silêncio, a imobilidade. Nada mais.”

 

“Lembra-te de mim.”

 

“Como o destino pôde ser tão cruel a ponto de lhe preparar tamanha armadilha?”

 

"Está deixando uma vida; está começando uma nova. Tudo pode acontecer."

 

"Quero que você fique com a minha vida. Ela será sua. Eu a dou a você"

 

"Tentaria de tudo, faria de tudo. Abriria as próprias veias, rasgaria o próprio corpo e daria ao filho seu sangue, seu coração, seus órgãos, se de alguma coisa adiantasse."

 

"Como se haveria de saber que Hamnet era o alfinete que os prendia? Que sem ele todos se fragmentariam e desmontariam, como uma xícara quebrada no chão?"

 

"Tudo - a visão das panelas na mesa, as ervas e flores amarradas às vigas, a boneca de milho da irmã numa almofada, o jarro perto da lareira - lhe causa uma profunda e inexplicável irritação".

 

"Toda vida tem sua essência, seu núcleo, seu epicentro, do qual tudo flui, para o qual tudo reflui."

 

“Como se chama, pergunta Judith à mãe, alguém que foi gêmeo, mas não é mais?”

 

"A morte é violenta. A morte é uma luta. O corpo se agarra à vida, como hera a um muro, e não a larga com facilidade, não se desapega sem lutar."

 

“Quem descreve o ato de morrer como "fazer a passagem" ou "ir em paz" jamais o testemunhou."

 

“Agnes entra pela porta da frente da própria casa, pela segunda vez naquela tarde. E vê, ao pé da escada, o filho. Ele está imóvel, com o rosto pálido, os dedos agarrados ao corrimão. Tem um inchaço e um corte na testa, que Agnes tem certeza de que não estavam lá de manhã. Ela se aproxima dele rapidamente, atravessando o cômodo em poucas passadas.

 

“O que foi?” indaga, apoiando as mãos nos ombros do filho. “O que houve com seu rosto?”
Ele não responde. Balança a cabeça. Aponta para a escada. Agnes sobe, de dois em dois degraus.”

 

Senhora, ele se foi,

Não mais existe, morreu;

Na cabeça lhe nasce um tufo de grama,

Aos pés, uma louça.

Hamlet, ato IV, cena V

 

“Jamais haverá outro como ele”

Hamlet, Ato I, Cena 2

 

‘Vivo constantemente me perguntando onde ele estará. Para onde foi. É como uma roda sem controle girando no fundo da minha cabeça. O que quer que eu faça, onde quer que eu esteja, fico pensando onde ele está, onde ele está? Não pode simplesmente ter sumido. Deve estar em algum lugar. Só preciso encontrá-lo."

 

"Quem descreve o ato de morrer como “fazer a passagem” ou “ir em paz” jamais o testemunhou. A morte é violenta. A morte é uma luta. O corpo se agarra à vida, como hera a um muro, e não a larga com facilidade, não se desapega sem lutar."


“Ele fez, compreende Agnes, o que qualquer pai gostaria de fazer, trocar o sofrimento do filho pelo seu, tomar seu lugar, oferecer-se em sacrifício em prol do filho para que o menino pudesse viver.”

 

"Toda vida tem sua essência, seu núcleo, seu epicentro, do qual tudo flui, para o qual tudo reflui.”

“Inspira, expira. Então baixa o silêncio, a imobilidade. Nada mais.”


“Ela é diferente de todo mundo que você conhece. Não se importa com o que pensam dela. Segue os próprios instintos.” P. 86


“Você ver o mundo como ninguém mais vê. [...] É a principal razão que me faz amar você.”


“Não sabe como, mas sabe; simplesmente sabe.”


“Alguém que sabe tudo sobre a gente, antes mesmo que a gente saiba. Alguém capaz de adivinhar nossos segredos mais secretos apenas com um olhar. Alguém capaz de dizer o que a gente vai falar, e o que não vai falar, antes que a gente fale. Isso é, ao mesmo tempo, uma alegria e uma maldição.”


“Como é fácil deixar passar despercebidas a dor e a angústia de uma pessoa, se esta fica calada, se guarda tudo para si, como uma garrafa muito bem tampada, a pressão no interior crescendo e crescendo...”

 

“Não se pode mudar o que recebemos, não podemos domar ou alterar o que nos cabe.”

 

“Não há como voltar atrás. Não há como desfazer o que foi estipulado para todos.”


“O que é dado pode ser tirado, a qualquer momento.”


“Ela mora lá, mas a casa nunca será dela.”

 
“Ele fez o que qualquer pai gostaria de fazer, trocar o sofrimento do filho pelo seu, tomar seu lugar, oferecer-se em sacrifício em prol do filho para que o menino pudesse viver.”

 

“A única coisa que a deixa feliz é fazer os outros tão infelizes quanto ela.”


“Existe um tremendo poder a ser exercido em silêncio.”

 

“É uma mulher em pedaços, e esses pedaços estão espalhados por todos os lados.”


“A morte é uma luta. O corpo se agarra à vida, como hera a um muro, e não larga com facilidade, não se desapega sem lutar.”

 

" Ela cresce se sentindo errada, inadequada, morena demais, alta demais, demasiado indomável, demasiado obstinada, calada demais, esquisita demais. Cresce com a consciência de ser meramente tolerada, irritante, inútil, de não merecer amor, de precisar mudar de forma drástica, subjugar sua natureza, a fim de conseguir se casar. Cresce também com a lembrança do que significa ser amada de verdade, pelo que se é e não pelo que se deveria ser."

 

"Como se chama alguém que foi gêmeo, mas não é mais? [...] Quando uma mulher é esposa e o marido morre, ela vira viúva. Quando os pais morrem, um filho vira órfão. Mas qual é a palavra para o que sou agora? [...] Talvez não exista uma palavra, sugere."

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