segunda-feira, 13 de maio de 2019

RESENHA| O MITO DA MATURIDADE EM SEDIMENTOLOGIA E ANÁLISE DE PROVENIÊNCIA



Plausible hypotheses often became established as generally accepted facts by the mere passage of
time and the lack of a direct challenge1.
R. Dana Russel (1937)

Neste artigo publicado em 2017 pelo Journal of Sedimentary Research na seção de trabalhos sobre novas perspectivas para a sedimentologia, o renomado cientista Eduardo Garzanti põe em cheque um dos maiores paradigmas da sedimentologia, e por que não dizer da geologia? Fundamentado em quais estudos científicos chegamos à conclusão de que os grãos de areia modernos se tornam mais facilmente arredondados dependendo do tipo de transporte? Em poucas linhas Garzanti apresenta-nos o paradigma em sua totalidade, indo mais longe e ainda discutindo assuntos como a maturidade textural, e como esta tem pouco a dizer sobre a energia e transporte do meio.

Antes de aprofundar-se propriamente sobre o tema, o autor busca definir o que se trata um mito, significância essencial para o entendimento do paradigma. De uma maneira geral, mito é uma narrativa que busca dar sentido para origens misteriosas e funcionamento da natureza. Na geologia os conceitos míticos tornaram-se mais utilizados conforme regredimos no tempo e tentamos explicar fenômenos que ocorreram no Paleozoico e Pré-Cambriano. Pode acontecer também teorias científicas expressas na linguagem de mitos, como a reunificação dos continentes Pangea ou a Teoria Terra Bola de Neve.

De volta a Petrologia Sedimentar, temos o mito que durante o transporte, minerais como olivina, piroxênio, anfibólio ou feldspato são rapidamente eliminados, enquanto os sobreviventes tornam-se cada vez mais arredondados, o que acaba por dar uma noção de distância da fonte desses sedimentos. Em simples palavras os sedimentos aumentam sua “maturidade” ao longo do tempo através de uma série de processos como se seu destino fosse alcançar um estágio final de perfeição representado por grãos de quartos na forma de esferas de igual tamanho.

A explicação de forma simples acabou se tornando popular por conta das razões plausíveis ao invés de evidências observacionais. Tal paradigma evolucionista muito se assemelha a teoria da evolução na biologia, entretanto em sedimentologia o conceito de maturidade caminha para um ponto em que o sedimento tende a adquirir uma forma final inerte e estável.

A partir dessa ideia do mito, palavra que inclusive o autor não se cansa de usar quando se refere às ideias já amplamente aceitas na Geologia, o artigo aborda a limitação dos processos físicos na determinação do enriquecimento progressivos dos grãos relativamente mais duráveis tanto pré deposicionais quanto pós deposicionais. Dessa forma Garzanti divide seu trabalho em duas partes, a primeira que se encarrega em apresentar os ‘equívocos’ do conceito de maturidade mineralógica e seus determinantes e a segunda, sobre os ‘equívocos’ do conceito de maturidade textural.

O autor baseado em seus próprios estudos realizados anteriormente e apoiado em trabalhos de diversos outros autores (cerca de 130 trabalhos referenciados) não tem medo de polêmica e assume francamente os resultados de suas pesquisas. Sobre o intemperismo químico é sucinto e não tem papas na língua ao dizer que não passa de “a hyperbole that betrays mythical thinking2”. No que tange a abrasão mecânica afirma categoricamente “sediments do not ‘‘mature’’ during physical transport in water3’, sobre o grau de seleção dos sedimentos pela água afirma ‘hydrodynamic processes in the depositional environment can modify drastically the mineralogical composition of a sediment locally4’. Uma série de outras afirmações são apresentadas no escopo do trabalho, sendo umas das principais que ‘sediments do not ‘‘mature’’ during recycling5.

Longe dos laboratórios de pesquisa, a popularidade do conceito de maturidade é, sobretudo, uma ideia tendenciosa a partir da concepção comum para explicar por que as partículas de sedimentos detríticos mais finos são usualmente compostas de quartzo. A representação ideal do mito é principalmente observada em desertos, mas por conta dos longos períodos de atividade eólica, isso resultando, portanto de abrasão mecânica.

Essa ideia é atualmente bastante contestada pela falta de arenitos modernos quartzosos que hoje estão condicionados a ambientes bastantes específicos, principalmente hiperúmidos que no passado pode ter sido o responsável pela depletação de minerais menos estáveis e consequentemente enriquecimento do quartzo.

Ao fim da argumentação, Garlanzi volta a questionar o paradigma, apresentado-o agora com um ideal de pureza comum em todas as culturas e religiões, que sempre atraiu a mente humana a ponto de se tornar até mesmo uma obsessão criminal. A partir desse ponto de vista, o processo de maturação como geralmente é visualizado na sedimentologia pode ser percebido como um longo ritual de purificação, representado por dois extremos totalmente opostos que por fim nada mais é que uma representação dualista da natureza.

We need curiosity and spirit of observation to go beyond the comfort provided by armchair
representations of nature6.
Eduardo Garzanti (2017)

1Hipóteses plausíveis muitas vezes se estabeleceram como fatos geralmente aceitos pela mera passagem do tempo e a falta de um desafio direto.
2Um exagero que trai o pensamento mítico.
3Os sedimentos não amadurecem durante o transporte físico na água.
4Processos hidrodinâmicos no ambiente deposicional podem modificar drasticamente a composição mineralógica de um sedimento localmente.
5Os sedimentos não “amadurecem” durante a reciclagem.
6Precisamos de curiosidade e espírito de observação para ir além do conforto proporcionado pelas representações da natureza.

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