segunda-feira, 30 de setembro de 2024

RESENHA: Água Viva - Clarice Lispector



“Não quero ter a terrível limitação de quem vive uma vida apenas do que é possível fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.”

 

Segunda livro que leio dessa mulher e que confusão! O que ela escreve é preciso ter muita sabedoria da vida para entender (não tenho). Acima de tudo é preciso sentir. Nas próprias palavras da autora: "Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca."



"O que estou te escrevendo não é para se ler- é para se ser."

 

Li Laços de Família anos atrás e desde então fiquei fascinado pela forma como Clarice escreve. Se bem que ao escrever um romance ou um conto, que seja linear e narrativo, é bem mais fácil gostar dela.


 

“Nesta densa selva de palavras que envolvem espessamente o que sinto e penso e vivo e transforma tudo o que sou em alguma coisa minha que no entanto fica inteiramente fora de mim. Fico me assistindo pensar.”

 

Mas Água Viva realmente não é literatura de entretenimento, ao menos na minha opinião. É muito denso, complicado, é profundo.  É um texto em forma de divagação, os pensamentos furtivos de uma manhã de domingo, de uma madrugada em claro.


 

"Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade de solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama. Quanto a mim, assumo a minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio.''

 

Há muitas pessoas que se identificam com o texto de Clarice, mas para ser sincero, ainda não é o meu caso. Uma frase ou outra eu consigo entender (e sentir), mas no geral ela ainda possua uma forma estranha para mim, e por isso me interesso a mergulhar em seus pensamentos.


 

"Liberdade? é o meu último refúgio, forcei-me à liberdade e aguento-a não como um dom mas com heroísmo: sou heroicamente livre. E quero o fluxo."

 

É ficção que as vezes se perde com a autora que se torna personagem e vice-versa. Sem dúvidas um dos maiores nomes da Literatura Brasileira.



"Não sei sobre o que estou escrevendo: sou obscura para mim mesma."

 

SINOPSE

Clarice Lispector tinha o hábito de dormir cedo, acordar de madrugada e ficar sentada na sua sala pensando, fumando e ouvindo a Rádio Relógio, acompanhada apenas de seu cachorro, Ulisses. Nesses momentos de solidão, nasceram muitas de suas obras, que, depois, ela escreveria com a máquina de escrever apoiada sobre as pernas. “Escrevo-te sentada junto de uma janela aberta no alto do meu ateliê”, diz ela em determinado trecho do romance Água viva, em que a autora se confunde com a personagem, uma solitária pintora que se lança em infinitas reflexões sobre o tempo, a vida e a morte, os sonhos e visões, as flores, os estados da alma, a coragem e o medo e, principalmente, a arte da criação, do saber usar as palavras num jogo de sons e silêncios que se combinam, a especialidade da própria Clarice.


 

Água viva, longo texto ficcional em forma de monólogo, foi lançado pela primeira vez em 1973, poucos anos antes da morte de Clarice que, nessa época, já se consagrara como um dos valores mais sólidos da nossa literatura, por seu estilo único, em que a grande preocupação era a busca permanente pela linguagem.



Água viva é um desafio emocionante para quem lê ou relê Clarice Lispector. Traz uma linguagem que não se perde no tempo; ao contrário, é ricamente metafórica, em que coisas, ações e emoções do dia-a-dia se transformam em grandiosas digressões indagadoras sobre o sentido da existência e da vida. Seguindo a linha de características introspectivas de seus livros, Clarice cria uma obra singular, verdadeiro relato íntimo que projeta em flashes, como num caleidoscópio, verdadeiros resumos de estados de espírito em tom de confidência, onde a subjetividade sobrepuja o factual e a narradora é responsável pela cadência do texto.


 

SINOPSE EM INGLÊS

 

In this book Clarice Lispector aims to 'capture the present'. Her direct, confessional and unfiltered meditations on everything from life and time to perfume and sleep are strange and hypnotic in their emotional power and have been a huge influence on many artists and writers, including one Brazilian musician who read it one hundred and eleven times. Despite its apparent spontaneity, this is a masterly work of art, which rearranges language and plays in the gaps between reality and fiction.






CITAÇÕES



"O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas."


"Mas enquanto eu tiver a mim não estarei só."


"Eu não tenho enredo de vida? sou inopinadamente fragmentária. Sou aos poucos. Minha história é viver. E não tenho medo do fracasso. Que o fracasso me aniquile, quero a glória de cair."


"Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não ama. Quanto a mim, assumo minha solidão."


"Antes de me organizar tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado de liberdade. Da liberdade de errar, cair e levantar-me. Mas se eu esperar compreender para aceitar as coisas- nunca o ato de entrega se fará. Tenho que dar o mergulho de uma só vez, mergulho que abrange a compreensão e sobretudo a incompreensão. E quem sou eu para ousar pensar? Devo é entregar-me. Como se faz? Sei porém que só andando que se sabe andar e- milagre- se anda."

domingo, 15 de setembro de 2024

RESENHA – OS TESTAMENTOS (MARGARET ATWOOD)

 

“Precisamos nos recordar incessantemente dos descaminhos tomados no passado para não voltarmos a repetir os mesmos erros.”

 

Ótima continuação e uma distopia como eu amo.


 

Os Testamentos é a sequência de “O Conto da Aia” (Handmaid’s Tale). É bom sem fazer comparações com o anterior, até porque a autora levou 35 anos para decidir escrevê-lo.

 

“Que tipo de pessoa poderia ficar ao lado de Gilead e não se considerar um monstro? Especialmente sendo mulher.”


 

Li o volume 1 no começo de 2024 então ainda lembro bem do primeiro volume, e mesmo se não lembrasse, o que posso dizer é que os dois livros são independentes. Não é uma continuação direta e sim três outras histórias anos depois do final do livro 1, que servem principalmente para aprofundar outros elementos da organização de Gilead.

 

“Totalitarismos podem desmoronar de dentro para fora, à medida que deixam de cumprir as promessas que os levaram ao poder; ou podem ser atacados de fora para dentro; ou ambas as coisas. Não há fórmulas incríveis, já que muito pouca coisa na história é inevitável.”


 

Diversas personagens foram bem mais trabalhadas nessa continuação, humanizadas e tiveram suas motivações explicadas. Ao narrar diferentes acontecimentos a partir de três pontos de vistas, o romance oferece um panorama bem maior de como as mulheres viviam em Gilead. Acredito que nesse ponto Margaret Atwood acertou em cheio. Sem contar que a prosa dela é muito gostosa de ler.

 

“É melhor que nada, e sou uma grande defensora do melhor que nada. Na falta do melhor que tudo.”


 

Muito drama e ação na medida certa. Posso dizer que com bem mais ação, essa leitura pode não ser tão impactante quanto o primeiro volume, que foi algo mais introspectivo, mas sem dúvidas é um texto bem mais rápido de se ler.

 

SINOPSE – PORTUGUÊS

 

“Os Testamentos” se passa quinze anos após os acontecimentos aterrorizantes de O conto da aia. Mesmo diante de inúmeras tentativas de desestruturação, o regime da República de Gilead permanece de pé, mas há sinais de que suas pilastras começam a apresentar rachaduras. É nesse momento que a vida de três mulheres se entrelaça.


 

Agnes, filha de um comandante, criada dentro da elite e cercada de privilégios. É através do olhar dela que vamos conhecer como as jovens são preparadas para cumprir com suas obrigações como esposas dentro do regime totalitário. Ela faz parte da primeira geração a chegar à idade adulta dentro da nova ordem mundial.

 

Daisy, nascida no Canadá, mantém uma vida normal longe de Gilead. Vai à escola e trabalha em meio período na loja de roupas usadas dos pais. Apesar de experimentar a liberdade negada às mulheres que vivem a milhares de quilômetros dali, não está alheia ao que acontece no lugar que um dia foi chamado de Estados Unidos da América e participa de protestos contra os horrores praticados além da fronteira.


Tia Lydia, uma das executoras do regime, que exerce sua autoridade implacável por meio do acúmulo e da manipulação de segredos de Estado que podem ameaçar todas as estruturas do poder. Segredos dispersos e há muito enterrados, capazes de unir essas três mulheres, fazendo com que elas encarem quem realmente são e decidam até onde podem ir em busca do que acreditam.


Adaptada para a TV na premiadíssima The handmaid’s tale, a distopia de Margaret Atwood, que começou com O conto da aia, ganha ainda mais profundidade em Os testamentos. Uma narrativa que vai percorrer a infância e juventude das mulheres de dentro e fora de Gilead, os segredos sobre as verdadeiras personalidades das Tias, as engrenagens de um regime ditatorial e como a resistência pode ser o único caminho para implodi-lo.


 

SINOPSE - INGLÊS

 

In this brilliant sequel to The Handmaid's Tale, acclaimed author Margaret Atwood answers the questions that have tantalized readers for decades.

 

When the van door slammed on Offred's future at the end of The Handmaid's Tale, readers had no way of telling what lay ahead for her—freedom, prison or death.


 

With The Testaments, the wait is over.

 

Margaret Atwood's sequel picks up the story fifteen years after Offred stepped into the unknown, with the explosive testaments of three female narrators from Gilead.

 

"Dear Readers: Everything you've ever asked me about Gilead and its inner workings is the inspiration for this book. Well, almost everything! The other inspiration is the world we've been living in." —Margaret Atwood


 

CITAÇÕES FAVORITAS


“A verdade pode ser um perigo para aqueles que não deveriam conhecê-la”.

"Keep your friends close but your enemies closer. Having no friends, I must make do with enemies."


 

"Escrevo essas palavras no meu gabinete particular dentro da biblioteca do Ardua Hall, uma das poucas bibliotecas restantes após as animadas fogueiras de livros que têm ocorrido em nossa terra. As digitais pútridas e ensanguentadas do passado precisam ser expurgadas para deixar uma tábula rasa para a geração moralmente pura que com certeza vai nos suceder. Em teoria, pelo menos, é isso."

 

"Como é que eu pude ser tão má, tão cruel, tão burra? Você vai se perguntar. Você pessoalmente nunca teria feito as coisas daquele jeito! Mas você pessoalmente nunca precisou fazê-las."



"Em meu fim, está o meu começo."

 

“As they say, history does not repeat itself, but it rhymes.”


 

"Espera-se que toda mulher tenha as mesmas motivações, ou então que seja um monstro."

"Uma pessoa sozinha não é uma pessoa inteira: existimos em relação com os outros."

"O terror não reina, não exatamente. Ele paralisa."

 

"O plano de Deus não é o plano dos homens...

... e com toda certeza não é nem um pouco o plano das mulheres."


 

"Onde existir vácuo, a mente o preencherá com avidez"

 

"As aves do céu levariam a voz, e os que têm asas dariam notícia do assunto. O amor é forte como a morte."

 

"Love is as strong as death."



O CONTO DA AIA: SINOPSE EM PORTUGUÊS

 

A história de O conto da aia passa-se num futuro muito próximo e tem como cenário uma república onde não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes - tudo fora queimado. As universidades foram extintas. Também já não há advogados, porque ninguém tem direito a defesa. Os cidadãos considerados criminosos são fuzilados e pendurados mortos no muro, em praça pública, para servir de exemplo enquanto seus corpos apodrecem à vista de todos. Nesse Estado teocrático e totalitário, as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes. O nome dessa república é Gilead, mas já foi Estados Unidos da América. As mulheres de Gilead não têm direitos. Elas são divididas em categorias, cada qual com uma função muito específica no Estado - há as esposas, as marthas, as salvadoras etc. À pobre Offred coube a categoria de aia, o que significa pertencer ao governo e existir unicamente para procriar.


Offred tem 33 anos. Antes, quando seu país ainda se chamava Estados Unidos, ela era casada e tinha uma filha. Mas o novo regime declarou adúlteros todos os segundos casamentos, assim como as uniões realizadas fora da religião oficial do Estado. Era o caso de Offred. Por isso, sua filha lhe foi tomada e doada para adoção, e ela foi tornada aia, sem nunca mais ter notícias de sua família. É uma realidade terrível, mas o ser humano é capaz de se adaptar a tudo. Com esta história, Margaret Atwood leva o leitor a refletir sobre liberdade, direitos civis, poder, a fragilidade do mundo tal qual o conhecemos, o futuro e, principalmente, o presente.

 

O CONTO DA AIA: SINOPSE EM FRANCÊS

 

Devant la chute drastique de la fécondité, la république de Gilead, récemment fondée par des fanatiques religieux, a réduit au rang d'esclaves sexuelles les quelques femmes encore fertiles. Vêtue de rouge, Defred, « servante écarlate » parmi d'autres, à qui l'on a ôté jusqu'à son nom, met donc son corps au service de son Commandant et de son épouse. Le soir, en regagnant sa chambre à l'austérité monacale, elle songe au temps où les femmes avaient le droit de lire, de travailler... En rejoignant un réseau secret, elle va tout tenter pour recouvrer sa liberté.

 

O CONTO DA AIA: SINOPSE EM INGLÊS

 

The Republic of Gilead offers Offred only one function: to breed. If she deviates, she will, like dissenters, be hanged at the wall or sent out to die slowly of radiation sickness. But even a repressive state cannot obliterate desire – neither Offred's nor that of the two men on which her future hangs.


Brilliantly conceived and executed, this powerful evocation of twenty-first-century America gives full rein to Margaret Atwood's devastating irony, wit and astute perception.